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Cases de "Sucesso"

Atualizado: 19 de abr. de 2021




Pedro Lopez.

É muito provável que você nunca tenha ouvido esse nome.

Em 1983 Lopez foi condenado pela morte de 110 garotas no Equador, a maioria delas, na faixa dos 12 anos de idade. Ele mais tarde confessou outros 240 homicídios no Peru e Colômbia.

Em 1998 Lopez foi solto por bom comportamento e até hoje, em 2020, não se sabe o paradeiro de um dos maiores assassinos seriais da história.

É praticamente impossível não se sentir horrorizado com uma história como essa, mas é inegável que esses são números expressivos.

Apesar de ser um assassino serial que matou centenas de garotinhas, a gente até poderia dizer que Lopez era um sujeito dedicado e comprometido com seus objetivos. Você acha que isso faria dele então um, digamos, “case de sucesso”?

Se você hesitou minimamente para responder a essa pergunta, então, esse texto é pra você.


A ascensão do discurso neoliberal que vem acometendo o mundo nos últimos anos, fertilizou o terreno para que o tal termo passasse a ser usado indiscriminadamente em uma tentativa de enxergar méritos onde não há e de algum modo, celebrá-los.

No entanto, sucesso é um conceito relativo e o argumento de que ele deveria ser celebrado, independentemente das condições e contextos onde ele se insere é uma falácia perigosa.

É mesmo adequado considerar sucesso, um bilhão a mais de dólares na conta de alguém, conquistados por funcionários que deixam de almoçar pra bater metas?


O caso de Lopez é um paralelo desproporcional, mas serve perfeitamente de exemplo para casos onde as atividades questionáveis de alguém são sutilmente relevadas em nome da celebração de um aparente sucesso decorrente dessas mesmas atividades.


Nos últimos meses, tenho ouvido a frase “mas, não dá pra negar que ele é um case de sucesso” muito mais vezes do que eu gostaria.


O caso mais recente, aconteceu em torno de uma das figuras mais desprezíveis da história da mágica: o Mister M.


Antes de continuar, precisamos deixar algumas coisas claras de uma vez por todas:


  • Segredos são fundamentais para a mágica, ponto;

  • Revelá-los gratuitamente em rede nacional é uma atitude deplorável e danosa para a arte mágica, especialmente se a ideia não é sua;

  • Se o Mister M foi o responsável por você começar na mágica, não conte pra ninguém;


Há uma semana, a comunidade mágica brasileira foi surpreendida por uma estranha associação de alguns de seus membros ao mágico mascarado.


Fotos de rostos sorridentes conhecidos do meio mágico foram surgindo ao lado de Val Valentino e pouco a pouco, a fúria da comunidade mágica foi sendo despejada em cada um dos incautos que se permitiram enganar pela lábia do Paladino Mascarado.


Sem perceber, ao participar do evento, esses mágicos estavam chancelando a presença de uma das figuras mais abomináveis da história da mágica para o que quer que ele tenha vindo fazer aqui no Brasil.


Mas os motivos reais dessa coletiva ainda não estão muito claros.


O que se sabe, em linhas gerais, é que Valentino foi convidado para ajudar a alavancar a mágica no Brasil.


Bom, se o objetivo era alavancar para baixo do penhasco, a estratégia realmente não poderia ser mais acertada.


Se a intenção era mesmo ajudar a mágica brasileira a crescer de algum modo, surgem algumas perguntas importantes. Primeiro, se eles têm percebido o panorama atual da mágica brasileira no que se refere a projeção internacional e segundo, o que é que eles consideram por crescimento?


Supondo que nunca tenham ouvido falar nos esforços de Ricardo Harada, Juan e Alejandro, William Seven, Bernardo Sedlacek, Vik & Fabrini, eu e tantos outros por fazer nossa mágica ser respeitada internacionalmente, que medidas são essas que os organizadores pensam realmente serem necessárias para elevar nosso patamar e que começariam com Val Valentino?


Pensei muito antes de me manifestar, porque eu gostaria que esse texto fosse mais útil do que uma simples reclamação. Durante essas reflexões eu me dei conta de que eu nunca fiz nada pela mágica brasileira.


Eu ainda apostaria que nem Juan e Alejandro ou William Seven estavam pensando especificamente na mágica brasileira quando criaram seus trabalhos. Assim como eu, estavam provavelmente pensando em si mesmos.


Quando lancei meu primeiro projeto internacional, o Peregrine Pass, eu estava pensando em adquirir prestígio, respeito, admiração e dinheiro. Eu não passei meses trabalhando exclusivamente para subir o nosso nível por aqui.


O que me difere então de alguém que revela segredos na TV ou no Youtube em troca de um suposto prestígio ou admiração por parte do público não mágico?


As diferenças são muito claras.


Cada vez que eu sento pra desenvolver um efeito ou uma técnica nova, todas as minhas energias estão concentradas em fazer o melhor trabalho que eu poderia fazer em diversas frentes, respeitando a arte mágica e os artistas sérios que me inspiram. Se como consequência disso o nível da mágica no Brasil sobe um milímetro sequer, apesar de me sentir realizado, esse não foi meu objetivo central.


Já um revelador de Youtube, por exemplo, parece concentrar suas energias apenas em ganhar notoriedade, ainda que isso signifique arruinar a própria arte que sustenta o seu desejo de ser reconhecido.


Isso talvez responderia porque o termo “case de sucesso” faz tanto sentido pra essa galera que tem tentado desesperadamente justificar suas interações com Valentino.


"Não importa que você seja um mau caráter, desde que você seja um case de sucesso”.


Pra mim, o nível da mágica de uma comunidade sobe cada vez que alguns de seus membros produzem trabalhos de qualidade, respeitando a história e os artistas que a construíram, cujos ombros lhes servem de sustentação. A criatividade e a excelência técnica também são elementos que permitem um cenário para que a evolução aconteça.


De outro lado, eu não acredito que aumentar a presença de mágicos na televisão, por exemplo, constitua qualquer coisa semelhante a uma evolução. Muito pelo contrário. Por vezes vimos a mágica ser arruinada pelo despreparo de alguns artistas que estavam muito mais preocupados em aparecer do que em fazer um trabalho digno de admiração.


Eu penso que a motivação principal de um artista deva ser sempre a de realizar um bom trabalho antes de qualquer coisa. Qualquer consequência positiva vinda disso, é exatamente isso, uma consequência.


Um dos efeitos mais deprimentes da era de redes sociais que vivemos, é o de ver gente se esforçando muito mais para parecer do que para ser qualquer coisa. A utilização de recursos que permitem aumentar o número aparente de seguidores no instagram, por exemplo, é uma das práticas que retrata melhor esse momento que vivemos.


Agora, já não é mais preciso ser um case de sucesso, basta parecer um.


Isso poderia explicar o motivo pelo qual alguns mágicos tentam desesperadamente justificar a presença de Valentino por aqui.


Uma hipótese que eu tenho é de que artistas que se permitem aparecer em fotos com celebridades aproveitam para capitalizar em cima da fama delas. Assim, um mágico que aparece em uma foto ao lado do Mister M, poderia estar querendo comunicar ao seu público que ele conhece aquela “celebridade”.


O que ocorre, ao menos do meu ponto de vista, é que essa associação à imagem do mágico mascarado esconde problemas muito mais sérios e que dizem respeito a como nos vemos como sociedade.


Idolatrar vilões é uma condição presente no nosso cotidiano há muitos anos. A síndrome de Estolcolmo que acomete a sociedade brasileira precisa ser urgentemente estudada.


Os resultados dessa associação com Val Valentino ainda terão que ser observados, mas é muito provável que não sejam significativos.


Mas ela serve perfeitamente para nos mostrar como alguns mágicos estão dispostos a passar por cima de muita coisa, inclusive da própria mágica, se isso justificar que eles mesmos se tornem “cases de sucesso”.


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